Uma abelha solitária se debate no vidro da varanda, perturbando meu cochilo. Olho-a. Pensa que a vidraça é algo transponível e tenta descobrir jardins que se apresentam além dela, mas que na verdade, estão no térreo. É engraçado vê-la ferindo-se nas ferrugens.
Fecho as pálpebras e após alguns minutos, escuto o zumbido perto do meu pescoço, subindo pelo meu queixo. Agrada-me esta escalada. O esforço que faz entre os pêlos finos de meu rosto tem algo de ridículo. Não sabe do que me trato e por isso explora-me, ávida.
Se descobrir, assustada, uma pessoa e vir a ferroar-me, tirando meu sangue? Fará mel de mim? Que gosto e cor ele teria? Ela pensa que também sou um pouco planta. As escamas de minha pele parecem mesmo pólen de uma flor gigante. São comumente poeira de sol.
Deixo então que a abelha me descubra, me desnude. É bom ser assim esquadrinhada por alguém que não é gente, que não pergunta, não pensa além, não perscruta.
Agora, é um animal agressivo. Tenho prazer no risco e das cócegas do medo, em minha boca, meus cílios. Aguardo a ferroada e delicio-me com o perigo. Um movimento errado, ela me paralisa com um só pontinho preto, mas terrivelmente dolorido.
Minha pele arroxeia. Pede carícias de algodão e gaze. Pego uma pinça, dessas de sobrancelha e puxo minha pele, até retirar o pequeninho espinho. Sangro.
Mais uma vez, a abelha se aproxima. Quase morta, aos arrastos. Ameaça outro ataque. Canso dessa brincadeira. Ela fingindo ira sem poder realmente ser violenta. Esmago-a suavemente entre meus dedos.