terça-feira, 13 de maio de 2008

Uma abelha solitária se debate no vidro da varanda, perturbando meu cochilo. Olho-a. Pensa que a vidraça é algo transponível e tenta descobrir jardins que se apresentam além dela, mas que na verdade, estão no térreo. É engraçado vê-la ferindo-se nas ferrugens.
Fecho as pálpebras e após alguns minutos, escuto o zumbido perto do meu pescoço, subindo pelo meu queixo. Agrada-me esta escalada. O esforço que faz entre os pêlos finos de meu rosto tem algo de ridículo. Não sabe do que me trato e por isso explora-me, ávida.
Se descobrir, assustada, uma pessoa e vir a ferroar-me, tirando meu sangue? Fará mel de mim? Que gosto e cor ele teria? Ela pensa que também sou um pouco planta. As escamas de minha pele parecem mesmo pólen de uma flor gigante. São comumente poeira de sol.
Deixo então que a abelha me descubra, me desnude. É bom ser assim esquadrinhada por alguém que não é gente, que não pergunta, não pensa além, não perscruta.
Agora, é um animal agressivo. Tenho prazer no risco e das cócegas do medo, em minha boca, meus cílios. Aguardo a ferroada e delicio-me com o perigo. Um movimento errado, ela me paralisa com um só pontinho preto, mas terrivelmente dolorido.
Minha pele arroxeia. Pede carícias de algodão e gaze. Pego uma pinça, dessas de sobrancelha e puxo minha pele, até retirar o pequeninho espinho. Sangro.
Mais uma vez, a abelha se aproxima. Quase morta, aos arrastos. Ameaça outro ataque. Canso dessa brincadeira. Ela fingindo ira sem poder realmente ser violenta. Esmago-a suavemente entre meus dedos.

6 comentários:

Anônimo disse...

Sinto arrepios só de ler essas palavras: eu tenho alergia à picada de insetos.

Íris: disse...

Que inveja que tenho desses que sabem escrever o que querem, de qualquer maneira e o fazem divinamente.

Mais uma alérgica a picadas por aqui.
Mas tu é toda mel, menina doce. =*

Marina Moura disse...

Eu me apaixono por abelhas gigantes, que se parecem muito com minha espécie.
Inicialmente, estou cônscia de minha óbvia superioridade. Deixo que prossiga, que percorra minha pele, que me confunda com flor. A dor da ferroada virá, mas no momento em que penso, mel se mistura a medo. Em seguida sou atingida, é o momento também de morte - a abelha leva embora meu mel,e eu a levo embora entre os dedos.
Sofro pelo assasinato e velo minhas abelhas religiosamente.

Anônimo disse...

Belo, moça. E verdadeiro.

= )

Anônimo disse...

Forte! E muito bonito.


bom dia ;*

Daniel Feitosa disse...

É bom ser assim esquadrinhada por alguém que não é gente, que não pergunta, não pensa além, não perscruta."

isso foi genial... e lindo.