sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Um barulho seco vem da lâmpada. A fúria das pálpebras cerradas se desfaz aos poucos.
Uma sombra grande e difusa confunde meus olhos.
Vejo então a mariposa: branca, simples, absorta em seu vôo, ofuscando a luz amarela e tediosa do quarto.
Os ciclos que ela executa, os pequenos estalos, enfadam-me logo.
Saio por um instante. Volto com uma vassoura.
Não quero matá-la. Desejo conduzi-la até a janela, para a brisa da noite cheia de estrelas que logo serão mariposas como ela.
Mas se existe obstinação real no mundo, o bicho a personifica.
Quando me aproximo dela com a vassoura, a mariposa alarga os círculos, voa rasante e agressiva sobre a minha cabeça.
Por que ela insiste na loucura?
Qual a razão dessa clausura se à frente dela há uma janela enorme, com a noite à espera para ser desfrutada?
Agonizando pelas paredes e não querendo ser ajudada!
Fico impaciente: agora, invisto contra ela.
Mas o bicho é rápido e sorrateiro; e some.
Recomeço o livro que estava lendo.
O sono vem. E a surpresa.
Escondida entre os lençóis, lá está ela, mais branca que nunca, maior porque mais próxima e mais assustadora.
Retomo a vassoura.
De novo, em seu balé, a mariposa branca escurece metade do quarto a cada movimento.
Para quê tanto devaneio?
Fico cansada de agir e indagar.
Paro agitar a vassoura no ar. Suspendo-a.
Ela pousa na palha com suavidade.
Tento soltá-la na janela; a mariposa não se move.
Na ponta dos pés, mudo de rota e levo-a para a despensa, quarto escuro e abafado.
Maravilhosa imitação de noite.

domingo, 23 de dezembro de 2007

Saio correndo, aos saltos, para a cozinha.
Preciso de água.
Pego um copo que logo escorrega da minha mão trêmula. Quebra-se. Converte-se numa areia espaçada e opaca.
Tento outro. Minha avidez consegue prendê-lo. Bebo.
Um pouco de água retém-se entre a sombra dos pêlos do lado esquerdo da minha boca.
O resto escorre velozmente até o pescoço.
A tensão acalora-me.
Porque de novo aquela voz, aqueles trejeitos? Com certeza, aparecera de propósito. A menina, que só vi quando era recém nascida, parece-se muito com ele. A mulher; macilenta, com seus cigarros e risos escandalosos, é cada vez mais afetada. Anda na ponta dos pés, como se quisesse desculpar-se por uma falta grave.
E porque esse frenesi e essa mão pegajosa? Nada mais se move, minha cara. E esse sentimento, se existe, já é gasto demais para chegar a ser verdade.
De olhos fechados, a cada gole, desejo-lhes desgraças de toda sorte.
Então, a penitência: verto o líquido na garganta até a ânsia de vômito; só ela me purifica.
Quero, ao mesmo tempo, o milagre da água que, sendo tão matéria, torna tudo fluido e vaporoso. Sendo completamente neutra, traz em si todas as nuances.
Desejo o poder da única que é capaz de tudo; até de dissolver-me o sangue encolerizado.
Sinto, então, que tudo se pacifica e aplaca em forma de um suspiro pleno e cansado.
Eis a sala, escura de fumaça; eis os risos: a mulher ensaia, canhestra, uns passos de dança. A menina ri, ele aplaude.
Debato-me no camarote deste amargo espetáculo.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Engana-se quem pensa que em minha agonia não sei de tudo o que se passa.
Eu sinto, eu vejo.
Brandamente, também, eu ajo.
Sem que ninguém perceba.
Sou mesmo assim atroz comigo mesma.
E a dor, ela é cá comigo; deixa-a.
Se o que restou de mim são cacos que espetam e doem e sangram, eu danço por cima deles, aos rodopios.
Porcelana fina assim, atirada ao chão, quebrada, nem serve mesmo pra outra coisa senão divertir-me.
E, enquanto rio, môo, trabalho, transformo-a em caco, pó, poeira fina.
Para só depois convertê-la de novo na argila sagrada que untada em água, há de criar-me, como nova.
E mais forte.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Regra literária

Alguém se casa: comédia.
Alguém morre: tragédia.
Alguém casa e você morre de ciúme: uma obra em humor realmente negro.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Controlar a montagem
Da palavra:
o êxtase da criação.
Imagens em série
lirismo lúdico
suores sobre significados
e argumentos.

Rédea apertada
na praga da réplica
no racional desconexo
a prática
mordaça.

Ter o verso nas mãos
ter pulso:
ilusão.