As nuvens lá fora acossando: vai chover e mal saí do banho.
Será que fico arrumada em meia hora? Estou atrasada, coração quente e pulsando.
O desencontro é impossível, mesmo assim ainda temo.
O espelho embaçado lembra as tantas nuvens condensadas. Há estranhamento por esta presença. São duas horas, o sol deveria estar a pino mesmo nesta época de lodo e chuva.
Me posto à frente dele. Não; me imponho. E forço-me a ficar. Meu rosto assim como tudo que me faz é fugidio. Como tudo em mim é volátil, não quer ser capturado, refletido e analisado pelos olhos frios da prata. Não quer ser congelado por tamanha indiferença.
Começo a escovar meus cabelos. Se estivessem desembaraçados, seria mais rápido. As cerdas agridem os fios delgados. Ruidoso atrito de lã sendo penteada. Paro, de repente: encontro resistência, um nó de umas vinte extremidades. Ali, enorme, proibindo o uso da tesoura. Vou tentando sem força, porém com destreza desato algumas extremidades. Terminar o que restou seria muito custoso. Parto violentamente o que sobra: um novelo intricado e seco.
Escolho pacientemente minha roupa. Algo acolhedor, mas não escaldante. Detalhes e exigências fúteis me ocupam. Pulseira, colar e maquiagem prolongam o tempo perdido.
Saio e desço as escadas, sem guarda-chuva; ela nunca me apanha. Caminho alguns metros até o destino, e antes dele, gotas grossas caem sobre mim e um vento forte e frio me abate. Corro e chego.
Entro, bato a porta e sorrio, pingando. Gracejo por estar descomposta. Ele desdiz:
-Você sempre pareceu uma boneca.
6 comentários:
ôwn ;~
que lindo, velho!
me falta isso agora, uma pitada de amor sem frescura.
O contrário seria possível, se eu não ficasse gripado toda vez que eu pego chuva.
que lindo, esse amor dia-a-dia que anoitce pintado e amanhece despenteado. Lindo é querer repetir isso por dias a fio.
Cara... oq é isso?
Tu ja escreveu um classico.
Sorri depois de ler. Sorri muito.
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