sábado, 1 de março de 2008

O homem conhecia a mulher senão pelo toque.
Quando se aproximava, toda ela se eriçava em acúleos de roseiras e flores de amoreira brotavam de seus poros. O perfume atraía os beijos que se colavam nos espaços em que havia a pele sanguínea, parecendo diamantada.
Por alvoroço ou descuido, um dia, o homem cegou-se nos espinhos. Não via nada além de uma escuridão de sono e carente de vida. Ele, agora, investia contra as puas querendo purificar-se fazendo de sua tez, antes macia, carne viva e cicatrizes. Na ausência dela, chorava absinto e tudo se impregnava de vapores lodosos.
Conhecia a mulher senão pelo toque. E ela sequer suspeitava do desespero das trevas do homem. Seu afago, como antes, era suave e exato e justamente nas lacunas em que não havia brotos, somente pele tecida pelos insetos servos de suas folhas. Ele não sabia deste tecido acomodado tão bem em meio aos espinhos.
Então a mulher precisou que o homem visse: indagou-o pelo céu, e ele não pôde dizê-lo. O céu em questão tinha arco-íris e chuva fina rendando o sol. Assim, com a mesma aflição do homem esta lhe lambeu os olhos com sua saliva de açúcar. E aos tragos, sorveu todo o fel que enegrecia sua vista.
Aos poucos, ele voltava a ver. Bem queria avistar aquele sol prometido de novo e relatá-lo à mulher, mesmo que tão já sabido e estigmatizado; mas agora só chovia. Abafada, rala e cinzenta era a chuva. Esboços daqueles dias passaram pela visão ainda turva. Com beijos agradeceu à mulher a cura, mas os beijos de açúcar dela agora eram de um amargor terrível. E de novo buscando algo como santidade, os queria cada vez mais ávido, como se pagasse o preço de sua cura que não se pagava porque era amor.
Pelo menos a exuberância do jardim era a mesma, ele pensava. Mas tudo era outro. As mariposas que saíam naquele momento do casulo ouviram estes pensamentos e os contaram a mulher.
Amanheceu e o homem via tudo limpo, enxergando até melhor que antes. Olhou ao redor procurando a mulher e a encontrou desnuda de seus ramos de rosas com acúleos e folhas repletas de insetos e sem sua pele de seda brilhante; comum e pálida, com medo do que deixara de ser.

Conhecia a mulher senão pelo toque.
Nunca mais foi visto o homem que correu de susto do que havia violado.
A mulher até hoje chora alcatrão estranhamente colorido daquele arco-íris, que nunca mais apareceu. Sua saliva agora é ambrosia e a pele viceja e brilha tanto que cega qualquer um que se aproxime-menos aquele que conhece além das puas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Pareceu alguma história de mitologia grega...

Junker disse...

Bom... no começo parecia rapunzel.

Depois realmente ficou grega... mas pq o final é triste. Só que mais coerente. Meio orfeu... sabe?

Mas... meu deus... vc só tem 16 e escreve isso? Precoce! Enjoy!

Anônimo disse...

Os acentos mitológicos não mentem: todas as tragédias humanas começam no olhar.

Marina Moura disse...

Eu acho que a tragédia está é no toque...
Queria saber por onde anda esse homem que certamente ficará cego novamente e também há de fazer mais rosas pálidas e chorosas.
A mulher, tragicamente exuberante, me persegue em todas as mãos que me violam.
Alguém será capaz de conhecer além das puas? O que haverá além delas? Se é que há...

(E o meu encanto ao te ler não tem fim...)


:*