domingo, 31 de outubro de 2010
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Quando conheci Augusto, nada me veio à mente. Ouvi sua voz, e o vazio perdurou. Olhei os anéis em seus dedos, os cabelos recém cortados, todos os pêlos meticulosamente nos devidos lugares e não tive outra impressão senão a de neutralidade também constatada por um cheiro que mal chegava a ser masculino. Do sorriso não extraí nada, fosse alegria ou nervosismo.
Mas Augusto não tinha a neutralidade dos anjos. Ele queria. Tanto que teve audácia e a exposição ríspida de propósitos de quem quer fazer-se conhecer. Como se a altivez estivesse no nome, ‘ser Augusto’ inspirou-lhe coisas que não deveria. Foi quando ouvi sua voz novamente e um jardim cresceu cheio de anjos cantando.
A discrição de outros amigos com nomes angelicais e apostólicos não cabia a ele. Eu que acho toda sorte de urgências supérfluas, suspirei ante a falta de cautela porque a inconsequência assim tão jubilosa me divertia. Augusto distraído.
Prendi-me aos olhares e códigos que outrora julguei tão pueris. Augusto e seus olhos ávidos e faiscantes. Augusto e seus cabelos que cresciam e tomavam a face, apesar de sua constante preocupação com a falta deles. Seus cantares imaginários. Tudo o que ele via e transformava em argumento. O incômodo constante com as horas. As palavras trocadas. Gargalhadas sonoras; dele, minhas, nossas que em alguns meses viraram pedra. O amor que pensei ter pela calma e os olhos ternos buscando anuência. Nossas competições tácitas, risonhas e tão ternas; acordos no linguajar gestual que só os ansiosos um pelo outro conhecem. Algo que falsos amantes logo notaram, tinham memórias de outrora e hoje enorme tédio de sua própria paixão, e passaram a sibilar por onde fossem palavras e silêncios.
Augusto tinha olhos pequenos e furtivos, quase sem essência. Ele estaria perdido em meus olhos castanhos que nada transpareciam; eu que errei o caminho e não soube mais voltar para a terra segura de antes. Ele soube e correu. Não que fugisse: se afastava e em momento algum se escondeu. Ouviu os assobios dos falsos amantes e muito longe até a exaustão não mais me quis.
E então me sobraram os restos de sua força sobre mim, um espólio com o qual eu pensei não poder arcar. Até que para minha surpresa Augusto tombou de duas alturas, voltou a ser neutro de novo, claro como sempre, e outro jardim cresceu sagrado e suspenso no canto do coro de outros anjos que cantavam cada vez mais alto e não deixavam meus olhos escuros se distraírem.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Sair assim sumindo entre meus restos
É um favor que te faço, eu sei.
A perda lhe sairá de graça
E eu deverei
A paga demasiado cara
De praxe
Mais uma de uma vida tão gasta
Mas que não conta sovina
seus lamentos.
O que antes era dor vivida em um mês
Debruça-se sobre esta tarde:
Nunca esquecerei
Que a cor deste ocaso
De sangue e nuvem
Pertence a mim
E nunca a desejei.
Lágrimas existem
Apenas pelo tempo
atirado a esmo
E perdido: não sou sensível
a memórias felizes
feitas de sorrisos, cheiros
e cores baças
Não espere por isso.
Antes já fosse
Tarde de fato e as horas
Não mais corressem
Como carruagem alada
Em seus anseios.
E meus desejos galopassem
Velozes como o tempo
Atando-lhe rédeas
Antes que o sol se pusesse
Triste de sangue e nuvens
Desbotadas e gélidas
Arrastando consigo
Minha vida
Sem estrela-guia.