terça-feira, 12 de outubro de 2010

Quando conheci Augusto, nada me veio à mente. Ouvi sua voz, e o vazio perdurou. Olhei os anéis em seus dedos, os cabelos recém cortados, todos os pêlos meticulosamente nos devidos lugares e não tive outra impressão senão a de neutralidade também constatada por um cheiro que mal chegava a ser masculino. Do sorriso não extraí nada, fosse alegria ou nervosismo.

Mas Augusto não tinha a neutralidade dos anjos. Ele queria. Tanto que teve audácia e a exposição ríspida de propósitos de quem quer fazer-se conhecer. Como se a altivez estivesse no nome, ‘ser Augusto’ inspirou-lhe coisas que não deveria. Foi quando ouvi sua voz novamente e um jardim cresceu cheio de anjos cantando.

A discrição de outros amigos com nomes angelicais e apostólicos não cabia a ele. Eu que acho toda sorte de urgências supérfluas, suspirei ante a falta de cautela porque a inconsequência assim tão jubilosa me divertia. Augusto distraído.

Prendi-me aos olhares e códigos que outrora julguei tão pueris. Augusto e seus olhos ávidos e faiscantes. Augusto e seus cabelos que cresciam e tomavam a face, apesar de sua constante preocupação com a falta deles. Seus cantares imaginários. Tudo o que ele via e transformava em argumento. O incômodo constante com as horas. As palavras trocadas. Gargalhadas sonoras; dele, minhas, nossas que em alguns meses viraram pedra. O amor que pensei ter pela calma e os olhos ternos buscando anuência. Nossas competições tácitas, risonhas e tão ternas; acordos no linguajar gestual que só os ansiosos um pelo outro conhecem. Algo que falsos amantes logo notaram, tinham memórias de outrora e hoje enorme tédio de sua própria paixão, e passaram a sibilar por onde fossem palavras e silêncios.

Augusto tinha olhos pequenos e furtivos, quase sem essência. Ele estaria perdido em meus olhos castanhos que nada transpareciam; eu que errei o caminho e não soube mais voltar para a terra segura de antes. Ele soube e correu. Não que fugisse: se afastava e em momento algum se escondeu. Ouviu os assobios dos falsos amantes e muito longe até a exaustão não mais me quis.

E então me sobraram os restos de sua força sobre mim, um espólio com o qual eu pensei não poder arcar. Até que para minha surpresa Augusto tombou de duas alturas, voltou a ser neutro de novo, claro como sempre, e outro jardim cresceu sagrado e suspenso no canto do coro de outros anjos que cantavam cada vez mais alto e não deixavam meus olhos escuros se distraírem.

Nenhum comentário: